1. Trata-se de Nota Técnica, realizada no âmbito da Assessoria Jurídica da Associação dos Mantenedores Independentes Educadores do Ensino Superior (AMIES), a partir de consulta da sua Presidência, em 28 de agosto de 2023, após a publicação do voto do Ministro Edson Fachin no âmbito do julgamento cautelar da ADC nº 81/DF.
2. Relembra-se, neste ponto, que o Relator da ADC, Ministro Gilmar Mendes, deferiu medida cautelar em 09 de agosto de 2023 e no dia 25 de agosto de 2023 proferiu voto nos seguintes termos, submetendo-o ao referendo do Plenário:
Ante o exposto, converto o referendo de medida cautelar em julgamento de mérito, rejeito as questões preliminares e julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados na ADC 81 e na ADI 7187 para assentar a constitucionalidade do art. 3º da Lei 12.871/2013 e estabelecer que: (i) a sistemática do art. 3º da Lei 12.871/2013 é incompatível com a abertura de novos cursos de medicina com base na Lei 10.861/2004, bem assim com a autorização de novas vagas em cursos já existentes, sem o prévio chamamento público e a observância dos requisitos previstos na Lei 12.871/2013; e (ii) fica ressalvada a possibilidade de a sociedade civil pleitear o lançamento de editais para instalação de novos cursos em determinadas localidades, cabendo à Administração Pública responder a esses pleitos de forma fundamentada, com publicidade e em prazo razoável.
No que concerne aos processos administrativos e judiciais que tratam do tema objeto destas ações, determino que:
(i) sejam mantidos os novos cursos de medicina instalados – ou seja, contemplados por Portaria de Autorização do Ministério da Educação – por força de decisões judiciais que dispensaram o chamamento público e impuseram a análise do procedimento de abertura do curso de medicina ou de ampliação das vagas em cursos existentes nos termos da Lei 10.861/2004;
(ii) tenham seguimento os processos administrativos pendentes, previstos na Lei 10.861/2004, instaurados por força de decisão judicial, que ultrapassaram a fase inicial de análise documental a que se referem os arts. 19, § 1º, e 42, ambos do Decreto 9.235/2017, a depender de tratar-se de credenciamento de nova instituição de ensino ou de autorização de novo curso. Nesse cenário, nas etapas seguintes do processo de credenciamento/autorização, as diversas instâncias técnicas convocadas a se pronunciar devem observar se o Município e o novo curso de medicina atendem integralmente aos critérios previstos nos parágrafos 1º, 2º e 7º do art. 3º da Lei 12.871/2013; e
(iii) sejam extintos os processos administrativos que não ultrapassaram a etapa prevista no art. 19, § 1º, ou no art. 42 do Decreto 9.235/2017, nos termos do art. 52 da Lei 9.784/1999.
Por conseguinte, confirmo integralmente a decisão que deferiu o pedido de tutela provisória incidental e julgo prejudicados os embargos de declaração contra ela opostos. (g. n.)
3. Na sequência, foi proferido voto do Ministro Edson Fachin, objeto da presente consulta, que acompanhou o voto do Ministro Gilmar Mendes quanto à constitucionalidade do dispositivo discutido, mas divergiu na extensão da modulação dos efeitos, nos seguintes termos:
Diante do exposto, peço vênia a Sua excelência para divergir a fim de acolher a suspensão pleiteada no bojo da ADC 81 e, em relação ao item ii do capítulo VI, deferir em maior extensão da cautelar requerida para:
a)“ assentar a constitucionalidade do art. 3º da Lei 12.871/2013 e estabelecer que a sistemática do dispositivo é incompatível com a abertura de novos cursos de medicina com base na Lei 10.861/2004, bem assim com a autorização de novas vagas em cursos já existentes, sem o prévio chamamento público e a observância dos requisitos previstos na Lei 12.871/2013 ”;
b) determinar que somente “ sejam mantidos os novos cursos de medicina já instalados – ou seja, contemplados por Portaria de Autorização do Ministério da Educação – por força de decisões judiciais que
dispensaram o chamamento público e impuseram a análise do procedimento de abertura do curso de medicina ou de ampliação das vagas em cursos existentes nos termos da Lei 10.861/2004 ;” e
c) determinar a suspensão (ou a extinção, em caso de julgamento definitivo) de todos os demais processos administrativos pendentes.
Em sendo convolada a apreciação do julgamento da cautelar em julgamento de mérito, voto no sentido de:
(i) Julgar parcialmente procedente a ADC 81, nos termos do presente voto; e
(ii) Julgar improcedente a ADI 7187.
É como voto. (g.n)
4. O voto do Ministro do Ministro Edson Fachin foi proferido no julgamento cautelar da ADC 81 e da ADI 7.187, ações que discutem a constitucionalidade da Lei dos Mais Médicos enquanto processo autorizativo regulatório dos cursos de medicina no Brasil. O posicionamento alinhou-se ao voto do Ministro Relator, Gilmar Mendes, quanto à constitucionalidade do art. 3º da Lei nº 12.871/2013, que traz o chamamento público como meio para a autorização desses cursos. Contudo, houve divergência relacionada à extensão da modulação.
5. Para o Min. Edson Fachin, a decisão cautelar deve ser mais abrangente e, por isso, compreendeu que não devem ter seguimento os processos administrativos pendentes, iniciados por força de decisão judicial, que ultrapassaram a fase inicial – análise documental; entendimento divergente daquele apresentado pelo Min. Gilmar Mendes na Cautelar e ratificado em seu voto condutor.
6. O Min. Fachin expõe que não há, necessariamente, investimentos e mobilizações – docentes e discentes – consolidadas pelas instituições, o que resulta, em tese, na ausência de interesse social pelo seguimento dos processos. Ademais, define que eventual consolidação desses fatos teria precedido a autorização e se baseado em decisões judiciais de caráter precário, que não isentam as partes interessadas do risco da reversão posterior.
7. Ademais, o Ministro considerou o grande número de pedidos judiciais de autorização de novos cursos, considerando que esses, se levados adiante, ocasionariam um potencial aumento de 50% de cursos de Medicina.
8. A Assessoria Jurídica da AMIES entende que o voto do Ministro Edson Fachin comete alguns equívocos sob ponto de vista regulatório. Vejamos o porquê:
9. Inicialmente não são todos os pedidos judiciais que requerem a abertura de novos cursos, deve-se notar que existem pedidos de aumentos de vagas relativos a instituições fortemente consolidadas. Existem, ainda, na relação constante da manifestação da AGU cursos de Medicina cuja autorização foi deflagrada administrativamente pelo MEC no âmbito do Programa Mais Médicos. Além do mais, os processos iniciados por decisão judicial não conferem autorização automática, pois serão instruídos e decididos pelo próprio MEC com base em avaliações de especialistas da área médica e nos leitos SUS disponíveis.
10. Quando o Ministro Fachin acolhe as considerações feitas pela Advocacia-Geral da União (AGU) sobre um suposto aumento de 50% no número de vagas de cursos de Medicina autorizadas pressupõe que todos os pedidos de autorização de cursos de Medicina que tramitam sub judice serão integralmente deferidos. Essa premissa é equivocada. Explica-se.
11. Na fase de avaliação do INEP, por exemplo, nem todos os cursos avaliados alcançam o padrão mínimo necessário à aprovação do pedido, visto que apenas aqueles cujo Conceito de Curso (CC) for igual ou superior a 4 (quatro) podem ser autorizados. Trata-se de requisito que viabiliza unicamente a oferta de cursos de elevado padrão de qualidade.
12. Além disso, a existência de equipamentos públicos de saúde disponíveis para os campos de prática dos cursos é outro limitador do quantitativo de vagas a serem autorizadas. Isso porque, no cálculo do número de vagas, a SERES consulta o Ministério da Saúde sobre quantidade de leitos SUS em proporção igual ou superior a 5 leitos por vaga de Medicina no município e na respectiva região de saúde. Dessa forma, apenas podem ser autorizados cursos em regiões em que há capacidade instalada do SUS.
13. Outro aspecto equivocado que se extrai do voto do Min. Fachin é aquele relacionado à contrapartida aos Municípios onde os cursos serão ofertados, sugerindo que os cursos autorizados no âmbito do Programa Mais Médicos ofertam contrapartida aos respectivos Municípios e que os demais cursos escapariam dessa incumbência. Na verdade, os cursos autorizados fora do Programa Mais Médicos, além da contrapartida financeira aos Municípios pela utilização dos equipamentos públicos de saúde, oferecem bolsas de estudo e serviços de saúde à comunidade, o que revela a sua importância e inserção social e regional.
14. Outro equívoco constante do voto do Min. Fachin diz respeito aos investimentos realizados pelas instituições de ensino. Importante esclarecer que a abertura do processo administrativo de autorização de Medicina enseja a imediata preparação da instituição para receber a visita de avaliação de especialistas do INEP, o que impõe a realização de grandes investimentos para a disponibilização de infraestrutura, de laboratórios equipados, de corpo docente qualificado, de bibliotecas físicas e digitais, além de outros insumos previstos nos instrumentos de avaliação. Ou seja, a partir da fase de análise documental, as instituições precisam se estruturar para receber a visita in loco, o que impõe a realização de expressivos investimentos, visto que, caso o resultado da avaliação seja insatisfatório, o curso será indeferido.
15. Registra-se, por fim, que o julgamento foi suspenso em razão do pedido de vista do processo pelo Ministro Luiz Fux. A expectativa é que julgamento seja retomado em até 90 (noventa) dias úteis.
ESMERALDO MALHEIROS
Assessor Jurídico da AMIES
OAB/DF nº 9.494
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil