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Disputa entre MEC e faculdades para criar cursos de Medicina tem novo capítulo

A divergência entre faculdades que pleiteiam criar cursos de Medicina e o Ministério da Educação (MEC) ganhou um novo capítulo nos tribunais. Após uma batalha que chegou até ao Supremo Tribunal Federal (STF), as instituições agora têm contestado na Justiça um critério usado pela pasta para decidir quais locais podem receber as graduações.

O questionamento envolve o parâmetro de demanda social por médicos nas áreas que receberão os cursos. Regiões com maior deficit têm sido priorizadas. A divergência é sobre se o governo federal deve considerar apenas a realidade de cada município – como faz o MEC – ou da região onde está a escola candidata a
receber a graduação – como querem as faculdades.

O ministério tem permitido abrir cursos só em municípios com menos de 3,73 médicos por mil habitantes – a taxa segue recomendação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Esse requisito tem sido aplicado para a análise de 196 novos cursos cujo pedido de abertura já foi levado à Justiça.

Um exemplo da diferença está em Sorocaba (SP). Lá, a taxa é de 4,35 médicos por mil habitantes, mas a região de saúde (que engloba 19 cidades vizinhas) tem 2,87. Outro caso é o de Irecê (BA), com taxa 3,97, enquanto a região de saúde tem média 1,39.

De forma a evitar novas judicializações para abrir cursos, o STF ratificou em junho o entendimento do MEC de que os novos pedidos devem seguir as regras dos editais do programa Mais Médicos. Esse chamamento público pré-selecionou 116 regiões de saúde em que as faculdades podem escolher um município para solicitar a abertura da graduação.

O MEC diz que usou esse parâmetro para atender à estratégia de reordenar a oferta de cursos. “Consequentemente, é um padrão que pode ser observado também aos pedidos protocolados por decisão judicial em tramitação no MEC, reforçando a coerência com a expansão de vagas de Medicina no sistema da educação
superior brasileira”, afirma.

A ideia do governo é desconcentrar a formação de médicos para áreas com deficit de profissionais, com o objetivo de fixá-los depois nessas áreas.

Já as faculdades argumentam que essa meta pode ser atingida se for considerada a necessidade social da região de saúde como um todo (o que inclui municípios vizinhos), em vez de só uma cidade. O parâmetro de região é adotado em outras políticas do Sistema Único de Saúde (SUS). A finalidade do modelo de regiões é integrar o planejamento e a execução de ações e serviços na saúde pública.

Além dos critérios, as instituições de ensino têm reclamado também da demora do governo para avaliar os cursos. Especialistas, porém, criticam a judicialização, uma vez que isso desorganiza a fila e eleva os riscos de graduações que não atendam a todos os parâmetros de qualidade necessários. Graduações de Medicina são lucrativas para as mantenedoras, uma vez que cobram mensalidades altas e têm taxas de inadimplência e vacância muito baixas.

Mudança de regra poderia beneficiar 43 pedidos
Entre os 196 pedidos cuja análise foi judicializada, 76 cursos não estão em cidades com taxa de 3,73, segundo levantamento feito pela Associação dos Mantenedores Independentes Educadores do Ensino Superior (AMIES) com base em dados oficiais. Desses, 43 cursos que poderiam ser beneficiados pela regra de
necessidade social na região de saúde.

“Há casos em que o município escolhido para a sede do curso, por sua importância social e econômica, constitui um polo de desenvolvimento para a região. Reúne contingente de médicos, serviços e equipamentos de saúde muito maior que os demais municípios que integram a mesma região de saúde e usam a referida estrutura”, diz o advogado da AMIES, Esmeraldo Malheiros. Para ele, negar o curso com base apenas no dado de médicos por habitantes de uma cidade “impõe injustiça aos demais municípios carentes”.

STF ratifica a interpretação de que as regras para a criação de cursos deve seguir a lógica do município, e não da região.

Conselhos de Educação e de Medicina divergem de regras
Henrique Sartori, presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (órgão que assessora o MEC), também acredita que a necessidade social deve ser avaliada pela região – e não em cada cidade. “O município pode ser gestor pleno da política, mas tudo – os recursos públicos e a política do Ministério da Saúde – é trabalhado pela região”, afirma.

O Conselho Federal de Medicina (CFM), por sua vez, acredita que a avaliação para liberar cursos deveria ser diferente. Na visão da entidade, criar cursos em uma região não resulta, necessariamente, na fixação de profissionais ali. “É melhor formar um médico em uma área melhor e depois o estimular a trabalhar em uma região remota do que formar mal em uma sem estrutura para formação. Depois, ele vai embora, porque a faculdade não garante que vai se fixar ali”, afirma Julio Braga, coordenador da Comissão de Ensino Médico do CFM. “O que garante a fixação é ter emprego e o serviço dos locais de saúde.”

Matéria original: Estadão
Foto: Pedro Kirilos