Com a política regulatória dos cursos de medicina do país no centro de debates nas esferas educacional e jurídica, a Associação dos Mantenedores Independentes Educadores do Ensino Superior (AMIES) reitera a necessidade de revisão do regime de formação médica e das ações regulatórias do Ministério da Educação, para a autorização de novos cursos e ampliação de vagas da graduação no Brasil.
“O interesse público precisa ser prioridade. Entendemos que ampliar o número de cursos e vagas, mantendo elevado o nível do ensino, refletirá diretamente na qualidade de vida da sociedade”, salientou o assessor jurídico da AMIES, Esmeraldo Malheiros. De fato, entre os desafios da atuação médica no Brasil está a concentração de profissionais e estudantes nas capitais e a insuficiência de médicos para atender à demanda da população. De acordo com o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) do Ministério da Saúde, o Brasil tem 2,24 médicos por mil habitantes e encontra-se abaixo da média de países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é de 3,5 médicos por mil habitantes. Nas regiões Norte e Nordeste a situação é ainda mais crítica, já que 68% dos médicos do país estão no Sudeste e no Sul. Essas duas regiões também concentram 57,7% das vagas em cursos de medicina em funcionamento. Embora a densidade demográfica seja diferente nas regiões do Brasil, é necessário uma melhor disposição de cursos e estudantes pelo país, para ajudar a reduzir a desigualdade na proporção de profissionais para atender a população.
De acordo com o Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Ensino Superior (Cadastro e-MEC), atualmente há 388 cursos de medicina em funcionamento no Brasil, totalizando 41.825 vagas autorizadas e ativas. As instituições privadas respondem por 64,43% dos cursos e 72,33% das vagas. “Não há dúvida de que a iniciativa privada colabora para a ampliação do acesso à graduação de medicina”, ressaltou Esmeraldo. Para ele, o Poder Público precisa “modernizar a estrutura de regulação, para ser menos burocrática e mais assertiva”.
O processo de autorização de cursos de medicina tem preocupado o setor educacional há anos, especialmente desde a Lei 12. 871, de 22 de outubro de 2013, que instituiu o Programa Mais Médicos e restringiu a abertura de novos cursos de medicina a chamamentos públicos feitos pelo Ministério da Educação. Já em 2018, a portaria MEC 328 suspendeu a realização de novos editais e o protocolo de pedidos de aumento de vagas até abril de 2023. Diante dessa moratória de cinco anos, coube às instituições de ensino superior recorrerem à Justiça para conseguir que os pedidos de autorização fossem processados pelo MEC, com base nos preceitos constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência.
De lá pra cá, algumas instituições conseguiram liminares para que as propostas de criação do curso de medicina fossem analisadas pelo MEC, passando então por um processo rigoroso de regulação, de acordo com a Lei do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes).
A oferta de cursos em diferentes instituições também contribui para frear o aumento das mensalidades, cuja média no Brasil é de R$ 8.462,61, e passa da casa dos R$ 13 mil em algumas IES, de acordo com um estudo realizado pelo Conselho Nacional da Educação (CNE). Além do alto custo, a disputa acirrada pelas vagas tem levado milhares de estudantes a optarem por cursar medicina no exterior. Um relatório feito pelo Ministério das Relações Exteriores já apontava para essa migração em massa em 2019. Na época, 65 mil brasileiros estavam cursando medicina em universidades da Argentina, do Paraguai e da Bolívia.
“Regular a qualidade pela escassez é um erro que o Poder Público não deveria cometer. Atualmente, nós temos normas e instrumentos que permitem a fiscalização e manutenção da qualidade dos cursos de medicina. A política regulatória não deve desprezar a Constituição e nem servir a interesses econômicos”, frisou Esmeraldo Malheiros. “Entendemos que a competição entre instituições de ensino contribui para elevar o padrão da proposta pedagógica, da estrutura das instituições e do corpo docente qualificado. O aumento no número de cursos, sem nunca abrir mão da qualidade, poderá atender a crescente demanda de estudantes de medicina e trará benefícios para toda a sociedade”, finalizou.
Regulação - O MEC encerrou as atividades do grupo de trabalho de medicina, responsável por analisar o modelo regulatório vigente. O GT, que foi retomado em abril desse ano, elaborou um diagnóstico acerca do ensino de medicina no Brasil, observando aspectos como o cenário atual de educação médica, a distribuição territorial dos egressos, a verificação da qualidade do ensino e corpo docente, os hospitais de ensino, a vinculação a programas de residência médica, o ensino híbrido, entre outros. Cabe à pasta analisar as conclusões e elaborar a nova política.